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Revista Espírita 1861 » Junho » A prece

Um dos nossos correspondentes de Lyon nos dirige o seguinte trecho de poesia. Ele entra muito no espírito da Doutrina Espírita para que nos furtemos ao prazer de lhe abrir espaço em nossa Revista. 

JOLY

 

A PRECE

 

Que eu não posso, mortais, com meus fracos acentos

Dar-vos ao coração o mais sublime incenso!

Ensinar-vos aqui, no colher desta messe

O que é a prece em si mesma e o que é fazer a prece.

É um impulso de amor, de fluídico ardor

Que se escapa da alma e se eleva ao Senhor.

Sublimada expansão da humilde criatura

Que retorna à sua fonte e eleva a sua natura!

Orar não muda em nada a lei do Pai Eterno

Sempre imutável, mas o coração paterno

Derrama o seu influxo no que o implora

E assim redobra o ardor do fogo que o devora.

É então que ele se sente crescer e elevar

E pelo amor do próximo o peito pulsar.

Mais se expande no amor, mais o sublime Ser

Enche-lhe o coração com os dons do saber.

Desde então, santo anseio de orar pelos mortos,

Sob o peso da dor e pungentes remorsos,

Nos mostra as exigências do seu novo estado,

De a eles dirigir seu fluido suavizado,

Cuja eficácia, bálsamo consolador,

Penetra-lhes no ser como um libertador.

Tudo neles se anima; um raio de esperança

Ajuda-lhes o esforço, à liberdade os lança.

Assim como aos mortais vencidos pelo mal

Que um bálsamo supremo devolve ao normal,

Eles se regeneram pelo impulso oculto

De augusta prece, ardente, e seu divino culto.

Redobremos o ardor; nada se perde enfim;

Preces, preces por eles, preces até o fim;

A prece, sempre a prece, essa estrela divina

Faz-se foco de amor e no final domina.

Oremos pelos mortos, sim, e logo por

Sua vez nos lançarão doce raio de amor.

 

Nestes versos, evidentemente inspirados por um Espírito elevado, o objetivo e os efeitos da prece são definidos com perfeita exatidão. Certamente Deus não derroga suas leis a pedido nosso, pois seria a negação de um de seus atributos, que é a imutabilidade; mas a prece age, principalmente sobre aquele que é seu objeto; é, a princípio, um testemunho de simpatia e de comiseração que se lhe dá e que, por isso mesmo, lhe faz sentir sua pena menos pesada. Em segundo lugar, tem por efeito ativo excitar o Espírito ao arrependimento de suas faltas e inspirar-lhe o desejo de repará-las pela prática do bem. Deus disse: “A cada um segundo as suas obras”. Esta lei, eminentemente justa, põe a sorte em nossas próprias mãos e tem como consequência subordinar a duração da pena à duração da impenitência. Daí se segue que a pena seria eterna, se eterna fosse a impenitência. Assim, se, pela ação moral da prece, provocarmos o arrependimento e a reparação voluntária, por ela mesma abreviaremos o tempo de expiação. Tudo isto está perfeitamente claro nos versos acima. Esta doutrina pode não ser muito ortodoxa aos olhos dos que creem num Deus impiedoso, surdo à voz que implora, e que condena a torturas sem fim suas próprias criaturas por faltas numa vida passageira; mas convir-se-á que ela é a mais lógica e mais conforme à verdadeira justiça e à bondade de Deus. Tudo nos diz, a religião como a razão, que Deus é infinitamente bom. Com o dogma do fogo eterno, é preciso ajuntar que ele é, ao mesmo tempo, infinitamente impiedoso, dois atributos que se destroem reciprocamente, pois um é a negação do outro. Aliás, o número dos partidários da eternidade das penas diminui dia a dia, o que é um fato positivo e incontestável. Em breve estará tão restrito que poderão ser contados, e mesmo que desde hoje a Igreja taxasse de heresia e, consequentemente, rejeitasse de seu seio todos quantos não creem nas penas eternas, entre os católicos haveria mais heréticos do que verdadeiros crentes e seria necessário condenar, ao mesmo tempo, todos os eclesiásticos e teólogos que, como nós, interpretam essas palavras num sentido relativo e não absoluto.[1]

 



[1] As atuais modificações na Igreja e na Teologia confirmam o acerto desta previsão de Allan Kardec. (N. da Eq. Rev.).

 


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