ACESSAR:
ROTEIRO DE ESTUDOS
PORTAL IPEAK
Revista Espírita 1863 » Maio » Exame das comunicações mediúnicas que nos enviam

Muitas comunicações nos foram enviadas por diferentes grupos, seja para pedir nossa opinião e o nosso julgamento sobre suas tendências, seja, da parte de alguns, na esperança de as ver publicadas na Revista; todas nos foram remetidas com a faculdade de dispormos delas como melhor entendêssemos para o bem da causa. Fizemos o seu exame e classificação, e não fiquem admirados da impossibilidade de publicá-las todas, quando souberem que além das já publicadas, há mais de três mil e seiscentas que, por si sós, teriam absorvido cinco anos completos da Revista, sem contar um certo número de manuscritos mais ou menos volumosos dos quais falaremos adiante. O relatório desse exame nos fornecerá tema para algumas reflexões, que cada um poderá aproveitar.

Entre elas encontramos algumas claramente más, no fundo e na forma, evidente produto de Espíritos ignorantes, obsessores ou mistificadores e que juram pelos nomes mais ou menos pomposos de que se revestem; publicá-las teria sido dar armas fundamentadas à crítica. Uma circunstância digna de nota é que a quase totalidade das comunicações dessa categoria emana de indivíduos isolados e não de grupos. Só a fascinação poderia levá-las a ser tomados a sério, e impedir se visse o lado ridículo. Como se sabe, o isolamento favorece a fascinação, ao passo que as reuniões encontram um controle na pluralidade de opiniões.

Todavia, reconhecemos com prazer que as comunicações dessa natureza formam, na massa, uma pequena minoria; a maioria das outras encerra bons pensamentos e excelentes conselhos, mas não se segue que todas sejam boas para serem publicadas, e isto pelos motivos que vamos expor.

Os bons Espíritos ensinam mais ou menos a mesma coisa por toda parte, porque em toda parte há os mesmos vícios a reformar e as mesmas virtudes a pregar, e aí está um dos caracteres distintivos do Espiritismo; a diferença está frequentemente apenas na maior ou menor correção e elegância de estilo. Para apreciar as comunicações com vistas à publicidade, não se pode vê-las do seu ponto de vista, mas do ponto de vista do público. Compreendemos a satisfação que se experimenta ao obter algo de bom, sobretudo quando se começa, mas além de que certas pessoas podem se iludir relativamente ao mérito intrínseco, não se pensa que em cem outros lugares se obtêm coisas semelhantes, e o que é de poderoso interesse individual pode ser banalidade para a massa.

Além disto, é preciso considerar que de algum tempo para cá as comunicações adquiriram, sob todos os aspectos, proporções e qualidades que deixam muito para trás as que eram obtidas há alguns anos; aquilo que então era admirado, parece pálido e mesquinho ao lado do que se obtém hoje. Na maioria dos centros verdadeiramente sérios, o ensinamento dos Espíritos cresceu com a inteligência do Espiritismo. Considerando-se que por toda parte são recebidas instruções mais ou menos idênticas, sua publicação poderá interessar apenas sob a condição de apresentar qualidades especiais, tanto na forma quanto no conteúdo instrutivo; seria, pois, ilusão crer que toda comunicação deve encontrar leitores numerosos e entusiastas. Outrora, a menor conversa espírita era novidade e atraía a atenção; hoje, que os espíritas e os médiuns são inumeráveis, o que era uma raridade é um fato quase banal e habitual, e que foi distanciado pela amplidão e pelo alcance das comunicações atuais, assim como os deveres escolares o são pelo trabalho do adulto.

Temos sob nossas vistas a coleção de um jornal publicado no princípio das manifestações, sob o título de La Table parlante, título característico da época. Diz-se que esse jornal tinha de 1.500 a 1.800 assinantes, cifra enorme para aquela época; ele continha uma porção de pequenas conversas familiares e fatos mediúnicos que então tinham o enorme atrativo de curiosidade. Aí procuramos inutilmente algo para reproduzir em nossa Revista; tudo quanto tivéssemos escolhido hoje seria pueril e, sem interesse. Se esse jornal não tivesse desaparecido, por circunstâncias que não vêm ao caso, só poderia ter vivido com a condição de acompanhar o progresso da Ciência, e se reaparecesse agora nas mesmas condições não teria cinquenta assinantes. Os espíritas são imensamente mais numerosos do que então, é verdade, mas são mais esclarecidos, e querem um ensinamento mais substancial.

Se as comunicações emanassem de um único centro, sem dúvida os leitores se multiplicariam em razão do número de adeptos, mas não se deve perder de vista que os focos que as produzem se contam por milhares, e que por toda parte onde são obtidas coisas superiores, não pode haver interesse pelo que é fraco e medíocre.

O que dizemos não é para desencorajar de fazer publicações, longe disso; mas para mostrar a necessidade de escolha rigorosa, condição sine qua non do sucesso; elevando os seus ensinamentos, os Espíritos nos tornaram mais difíceis e mesmo exigentes. As publicações locais podem ter uma imensa utilidade, sob um duplo aspecto, o de espalhar nas massas o ensino dado na intimidade, depois o de mostrar a concordância que existe nesse ensinamento sobre diversos pontos. Aplaudiremos isto sempre, e as encorajaremos todas as vezes que elas forem feitas em boas condições.

Para começar, convém descartar tudo quanto, sendo de interesse privado, só interessa a quem isso diz respeito; depois, tudo quanto é vulgar pelo estilo e os pensamentos, ou pueril pelo assunto. Uma coisa pode ser excelente em si mesma e muito boa para servir de instrução pessoal, mas o que deve ser entregue ao público exige condições especiais. Infelizmente o homem é inclinado a supor que tudo o que lhe agrada deve agradar aos outros; o mais hábil pode enganar-se, o essencial é enganar-se o menos possível. Há Espíritos que se comprazem em alimentar essa ilusão em certos médiuns; por isso nunca seria demais recomendar a eles que não confiem em seu próprio julgamento. É nisto que os grupos são úteis, pela multiplicidade de opiniões que podem ser colhidas. Aquele que, neste caso, recusasse a opinião da maioria, julgando-se mais esclarecido que todos, provaria sobejamente a má influência sob a qual se acha.

Aplicando estes princípios de ecletismo às comunicações que nos são enviadas, diremos que sobre 3.600, há mais de 3.000 que são de uma moralidade irreprochável, e excelentes como fundo, mas que desse número não há 300 para publicidade, e apenas cem de um mérito inconteste. Considerando-se que essas comunicações nos vieram, em grande número, de pontos diferentes, disso inferimos que a proporção deve ser mais ou menos geral. Por aí pode-se julgar da necessidade de não publicar inconsideradamente tudo quanto vem dos Espíritos, se quisermos atingir o objetivo a que nos propomos, tanto do ponto de vista material quanto do efeito moral e da opinião que os indiferentes possam fazer do Espiritismo.

Resta-nos dizer algumas palavras sobre os manuscritos ou trabalhos de fôlego que nos mandaram, entre os quais, de trinta, encontramos cinco ou seis de real valor. No mundo invisível, como na Terra, não faltam escritores, mas os bons são raros; tal Espírito é apto a ditar uma boa comunicação isolada; a dar um excelente conselho privado, mas é incapaz de produzir um trabalho de conjunto completo que suporte o exame, qualquer que sejam, aliás, suas pretensões; e o nome com o qual ele se compraz em disfarçar-se, não é uma garantia; quanto mais elevado for o nome, mais ele obriga. Ora, é mais fácil tomar um nome do que justificá-lo. Eis por que, ao lado de alguns bons pensamentos, encontram-se frequentemente ideias excêntricas e os traços menos equívocos da mais profunda ignorância. É nestas espécies de trabalhos mediúnicos que observamos mais sinais de obsessão, dos quais um dos mais frequentes é a injunção da parte do Espírito de fazê-los imprimir, e mais de um pensa equivocadamente que tal recomendação basta para encontrar um editor interessado a disso se encarregar.

É sobretudo em semelhante caso que um exame escrupuloso se torna necessário, se não se quiser expor a aprender às suas custas. Além do mais, é o melhor meio de afastar os Espíritos presunçosos e falsos sábios, que forçosamente se retiram quando não encontram instrumentos dóceis a quem pudessem fazer aceitar suas palavras como artigos de fé. A intromissão desses Espíritos nas comunicações é - e isto é um fato conhecido - o maior escolho do Espiritismo. Todas as precauções são poucas para evitar as publicações lamentáveis; em tais casos, mais vale pecar por excesso de prudência, no interesse da causa.

Em resumo, publicando comunicações dignas de interesse, faz-se uma coisa útil. Publicando as que são fracas, insignificantes ou más, faz-se mais mal do que bem.

Uma consideração não menos importante é a da oportunidade. Umas há cuja publicação é intempestiva, e por isso prejudicial. Cada coisa deve vir a seu tempo. Várias delas que nos são dirigidas estão neste caso e, posto que muito boas, devem ser adiadas. Quanto às outras, acharão seu lugar conforme as circunstâncias e o seu objetivo.


TEXTOS RELACIONADOS:




ACESSAR:
ROTEIRO DE ESTUDOS
PORTAL IPEAK